John Tierney

Suponha que Mark e Bill vivem num universo determinístico. Tudo que acontece esta manhã – como a decisão de Mark de usar uma camisa azul, ou a última tentativa de Bill de pentear os cabelos de forma a tampar uma falha – é completamente causado pelo que quer que tenha acontecido antes disso.

Se você recriasse este universo tendo como início o Big Bang e deixasse todos os eventos procederem exatamente da mesma forma até esta mesma manhã, então a camisa azul é tão inevitável quanto o penteado.

 Vamos às perguntas de filósofos experimentais:

 1) Neste universo determinístico, é possível que uma pessoa seja plenamente responsável moralmente por suas ações?

 2) Este ano, como frequentemente tem feito no passado, Mark planeja burlar seus impostos. Ele é plenamente responsável moralmente por suas ações?

 3) Bill se apaixona por sua secretária e decide que a única forma de estar com ela é assassinando sua mulher e três filhos. Antes de partir em viagem, ele planeja estes assassinatos enquanto estiver fora. Bill é plenamente responsável moralmente por suas ações?

 A um filósofo clássico, estas são apenas três versões da mesma pergunta sobre o livre-arbítrio. Mas à nova classe de filósofos que testam respostas das pessoas a conceitos como determinismo, há diferenças cruciais, como Shaun Nichols explica na presente edição da revista Science.

 A maioria dos entrevistados absolverá a pessoa não especificada na Pergunta 1 de plena responsabilidade por suas ações, e uma maioria também deixará Mark em paz por sua trapaça nos impostos. Mas não Bill. Ele é completamente responsável por seu crime abominável, de acordo com mais de 70 por cento das pessoas interrogadas pelo Dr. Nichols, um filósofo experimental na Universidade do Arizona e seu colega de Yale, Joshua Knobe.

 Bill está sendo julgado de forma ilógica? De certa forma, sim. A sequência de raciocínio pode parecer falha a alguns filósofos, e a crença no livre-arbítrio pode parecer ingênua aos psicólogos e neurocientistas, que defendem que somos conduzidos por forças além de nosso controle consciente – um argumento que o advogado de Bill poderia acabar apropriando para apresentar no tribunal.

 Mas de outra forma faz sentido perfeitamente considerar Bill plenamente responsável pelo assassinato. Seus juízes pragmaticamente intuem que, não importa se o livre-arbítrio existe ou não, nossa sociedade depende de todos acreditarem que ele existe. Os benefícios desta crença têm sido demonstrados em outra pesquisa, mostrando que quando as pessoas duvidam do livre-arbítrio, elas não se comportam bem em seus empregos e são menos honestas.

 Em uma experiência, algumas pessoas leem uma passagem de Francis Crick, o biólogo molecular, afirmando que o livre-arbítrio é uma velha noção esquisita não mais levada a sério por intelectuais, especialmente os psicólogos e os neurocientistas. Depois, quando comparados com um grupo de controle que leem uma passagem diferente de Crick (que morreu em 2004), estas pessoas expressam mais ceticismo sobre o livre-arbítrio – e prontamente relaxam em sua moral enquanto fazem um teste de matemática.

 Pedidos para resolverem uma série de problemas aritméticos em um exame computadorizado, elas trapaceiam ao obter as respostas através de um defeito no computador que eles foram solicitados a não utilizar. O suposto defeito, obviamente, foi colocado lá como uma tentação pelos pesquisadores, Kathleen Vohs da Universidade de Minnesota e Jonathan Schooler da Universidade da Califórnia, Santa Bárbara.

 Em uma experiência de acompanhamento, os psicólogos fizeram outro teste no qual se prometia às pessoas 1 dólar por cada resposta correta – e tinham que compilar suas próprias contagens. Exatamente como a Dra. Vohs e o Dr. Schooler temiam, as pessoas eram mais prováveis de trapacear após serem expostas anteriormente a argumentos contra o livre-arbítrio. Estas pessoas iam para casa com mais dinheiro indevido do que as outras pessoas.

 Este comportamento no laboratório, os pesquisadores notaram, corresponde aos estudos nas recentes décadas mostrando um aumento no número de estudantes que admitem trapacear. Durante este mesmo período, outros estudos têm mostrado uma diminuição na crença popular no livre-arbítrio (embora ele ainda seja vastamente mantido).

 “Duvidar do livre-arbítrio do homem pode enfraquecer o sentido da pessoa como agente,” concluíram os Drs. Vohs e Schooler. “Ou, talvez, negar o livre-arbítrio simplesmente fornece a última desculpa para comportar-se como alguém deseja.”

 Isso poderia incluir esquivar-se de suas tarefas no emprego, de acordo com outro estudo feito pela Dra. Vohs junto com uma equipe de psicólogos liderados por Tyler F. Stillman da Universidade do Sul de Utah. Eles foram a uma agência de empregos de trabalho por dia munidos de questionários para uma amostra de trabalhadores preencherem confidencialmente.

 Estes questionários foram baseados em um instrumento de pesquisa previamente desenvolvido chamado Escala do Livre-Arbítrio e do Determinismo. Era solicitado aos trabalhadores quão vigorosamente eles concordavam com afirmações como “A força da mente pode sempre superar os desejos do corpo” ou “As pessoas podem superar quaisquer obstáculos se elas confiantemente quiserem” ou “As pessoas não escolhem estar nas situações em que acabam estando – isto simplesmente acontece.”

 Os psicólogos também mediram outros fatores, incluindo a satisfação geral dos trabalhadores com suas vidas, quão dispostos sentiam, quão vigorosamente eles apoiavam uma ética de trabalho árduo. Nenhum destes fatores foi um indicador confiável de sua verdadeira performance no emprego, conforme avaliação de seus supervisores. Mas quanto mais os trabalhadores pontuavam na escala da crença no livre-arbítrio, melhores suas avaliações no emprego.

 “O livre-arbítrio guia as escolhas das pessoas rumo a serem mais morais e terem um desempenho melhor,” diz a Dra. Vohs. “É adaptável para as sociedades e indivíduos manterem uma crença no livre-arbítrio, como ajuda as pessoas se elas aderem a códigos culturais de conduta que sinalizam resultados de vidas saudáveis, abundantes e felizes.”

 Os conceitos intelectuais de livre-arbítrio podem variar consideravelmente, mas parece haver uma crença instintiva realmente universal no conceito que começa desde cedo. Quando crianças com idade entre 3 e 5 veem uma bola rolando para dentro de uma caixa, elas dizem que a bola não poderia ter feito outra coisa. Mas quando elas veem uma pesquisadora colocando sua mão na caixa, elas insistem que ela poderia ter agido de outra forma.

 A crença parece persistir não importa onde as pessoas cresçam; como os filósofos experimentais descobriram quando interrogaram adultos em diferentes culturas, incluindo Hong Kong, Índia, Colômbia e os Estados Unidos. Não importam suas diferenças culturais, as pessoas tendem a rejeitar a noção de que elas vivem em um mundo determinístico sem livre-arbítrio.

 Elas também tendem a concordar, através das culturas, que uma pessoa hipotética em um mundo hipoteticamente determinístico não seria responsável por seus pecados. Esta mesma lógica explica por que elas desculpariam a evasão de impostos de Mark, um crime que não tem uma vítima evidente. Mas essa lógica não vigora quando as pessoas são confrontadas com o que os pesquisadores chamam de uma transgressão de “alta afetação”, um crime emocionalmente perturbador como o assassinato de Bill de sua família.

 “São dois diferentes tipos de mecanismos no cérebro,” diz Alfred Mele, um filósofo na Universidade do Estado da Flórida, que dirige o projeto Grandes Questões do Livre-Arbítrio. “Se você contasse às pessoas uma história abstrata e fizesse uma pergunta hipotética, você estaria preparando o mecanismo supositivo em suas cabeças. Mas sua suposição pode não estar de acordo com sua reação intuitiva a uma história detalhada sobre alguém fazendo alguma coisa sórdida. Como os pesquisadores mostraram, a suposição padrão das pessoas é que elas realmente têm livre-arbítrio.”

 Num nível abstrato, as pessoas parecem ser o que os filósofos chamam de incompatibilistas: aqueles que acreditam que o livre-arbítrio é incompatível com o determinismo. Se tudo que acontece é determinado pelo que aconteceu antes, pode parecer somente lógico concluir que você não pode ser moralmente responsável por sua próxima ação.

 Mas há também uma escola de filósofos – de fato, talvez a escola majoritária – que considera o livre-arbítrio compatível com sua definição de determinismo. Estes compatibilistas creem que fazemos escolhas, ainda que estas escolhas sejam determinadas por eventos e influências anteriores. Nas palavras de Arthur Schopenhauer, “O homem pode fazer o que ele quer, mas ele não pode querer o que ele quer.”

 

Isso soa confuso – ou ridiculamente ilógico? O compatibilismo não é fácil de explicar. Mas ele parece estar de acordo com nosso instinto que Bill é moralmente responsável mesmo se ele estivesse vivendo em um universo determinístico. O Dr. Nichols sugere que seu experimento com Mark e Bill mostra que em nossos cérebros abstratos somos incompatibilistas, mas em nossos corações somos compatibilistas.

 “Isto ajudaria a explicar a insistência da disputa filosófica sobre o livre-arbítrio e a responsabilidade moral,” escreve o Dr. Nichols na revista Science. “Parte da razão da questão do livre-arbítrio ser tão perdurável é que cada posição filosófica tem uma série de mecanismos psicológicos dando apoio a ele.”

 Alguns cientistas gostam de rejeitar a crença intuitiva no livre-arbítrio como um exercício de ilusão própria – um instante ingênuo de “confabulação”, como coloca Crick. Mas estes supostos peritos estão iludindo-se se acham que a questão foi resolvida. O livre-arbítrio jamais foi contraditado cientificamente ou filosoficamente. Quanto mais os pesquisadores investigam o livre-arbítrio, melhores razões há para acreditarem nele.

Fonte: http://www.arminianismo.com/

Tradução: Paulo Cesar Antunes