A Graça de Deus e o Povo de Deus Rm 9: 14 – 29

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Paulo apresentou uma proposta radical: ser membro do verdadeiro Israel, o povo escolhido de Deus, não é questão de descendência genética de Abraão, mas de ser escolhido para pertencer a esse povo. A substância e essência desse povo, portanto, não se baseia na herança biológica, no nascimento, mas, antes, na promessa de Deus de que tal povo existiria (9.8). Para tornar claro que o povo de Deus depende de Sua contínua escolha para a sua existência, Deus escolheu somente um dos irmãos gêmeos para ser aquele através do qual seu povo prosseguiria (9.11).

 É com a natureza e a existência do verdadeiro povo de Deus que Paulo continua a se ocupar nestes versículos subsequentes. A pergunta que Paulo utiliza para introduzir este segmento de seu argumento é familiar: “Que diremos pois?” Ele utilizou essa mesma pergunta em 6.1, 15 e 7.7, onde se seguiram três segmentos da discussão de Paulo, e nesse mesmo sentido ele a utilizará mais uma vez em 9.30, onde o próximo segmento de sua discussão começa.

 O ponto ao qual Paulo está se dirigindo nesta parte de seu argumento se torna claro no versículo 24. Paulo está falando sobre como o mesmo princípio de eleição e escolha que deu origem a Israel e que o manteve (veja vv. 7-13, 17-18) continuou a operar na expansão do povo escolhido realizada por Cristo. Era de fato este objetivo final de um povo escolhido expandido, Paulo argumenta, que Deus tinha em mente durante todo o tempo. Esse povo expandido de Deus agora inclui os gentios, que uma vez não eram parte desse povo (vv. 25-26). Paulo está citando alguns versículos aqui de Oséias (2.2-5, 1 nessa ordem) que Oséias tinha dirigido a Israel, indicando-lhes que sua existência como povo não tinha nada a ver com origens étnicas naturais, mas com o expresso ato de escolha de Deus. Quando Paulo agora usa estes versículos para fazer referência aos gentios que foram incluídos no novo povo de Deus, ele quer dizer que a inclusão desses gentios no povo de Deus não é diferente da designação original de Israel como povo escolhido: Em ambos os casos, à parte da escolha de Deus, não teria havido nenhum povo escolhido. Assim como Israel devia seu status de nação à eleição de Deus, como Oséias disse, da mesma forma o novo povo de Deus deve sua existência como povo a esse mesmo tipo de eleição.

 Mais ainda, Deus tinha pretendido desde o início que somente uma parte de Israel, um “remanescente,” seria incluído nesse novo povo (vv. 27-28). Realmente, o próprio fato que tal remanescente permanece e que pode ser incluído no novo povo de Deus é devido à direta intenção de Deus (v. 29). A citação de Paulo de Isaías 10.22 (veja seu contexto em Is 10.20-23) nos versículos 27-28 e de Isaías 1.9 no versículo 29 indica que Paulo vê essas profecias cumpridas na inclusão de somente uma parte de Israel entre aqueles que aceitaram Jesus como o Messias de Deus, como o Seu Cristo.

 O que tudo isso significa é simplesmente que quando Deus escolheu criar um novo povo para si mesmo, baseado na confiança em Cristo como aquele através de quem os seres humanos podem encontrar sua relação com Deus reparada, ele continuou a agir de modo consistente com a escolha original de Israel como povo eleito. De fato, o processo iniciado com essa escolha é agora cumprido. Visto que a origem de Israel, assim como sua continuação, era uma questão de escolha de Deus e não de herança genética (vv. 7-13), ninguém, menos ainda os israelitas, deveria estar surpreso se Deus continua a formar um povo escolhido por seu próprio ato de escolha.

 

Não é possível ler o que Paulo diz nesta passagem sobre o tratamento de Deus a Israel e aos gentios sem levantar uma série de perguntas. Algumas dessas perguntas são levantadas pelo conteúdo do que Paulo tem a dizer, enquanto outras são levantadas pelos equívocos que gerações de interpretação introduziram nestes versículos. Se formos ser claros sobre o que Paulo quer dizer nestes versículos, de forma que nossas perguntas lidam com o que ele realmente está dizendo e não com o que imaginamos que ele esteja dizendo, três pontos precisam ser mantidos firmes em mente.

 O primeiro ponto diz respeito ao claro entendimento que Deus é o criador do mundo e o governante de sua história e que ele portanto dispõe sobre ela como Senhor soberano. Isso é especialmente claro nos versículos 19-21. Chamar o Criador para prestar contas pelo modo que ele criou seu mundo, ou pelo modo que ele dispõe sobre a sua história, está fora da competência de uma criatura. Perguntas que temos sobre esse aspecto da discussão de Paulo, portanto, são perguntas levantadas pela nossa condição de criatura e as limitações que essa condição inevitavelmente coloca sobre nós. Sabemos que esta linha de argumentação não é única nesta parte da carta de Paulo. Paulo foi claro desde o começo que é precisamente rebelião contra Deus por causa da condição humana de criatura que envolveu o mundo em sua presente desordem (recorde a discussão de idolatria no cap. 1 e de Adão no cap. 5), e uma continuação da ilusão que podemos nos erguer acima de tais limitações simplesmente significa uma continuação de nossa desgraça.

 O que Paulo nos dá nesta parte de sua discussão é uma forte dose de realidade, algo que, como é o caso com algum remédio forte mas eficaz, alguns pacientes tendem a resistir. Mas nós de fato não somos deuses. Não somos de fato capazes de qualquer disposição soberana sobre a realidade, como a história da humanidade demonstra convincentemente. O que os humanos têm feito uns aos outros e ao seu ambiente deve constituir prova irrefutável desse fato. Resistência a Deus como Deus, como Criador soberano, se encontra no centro da rebelião e do pecado humanos, e é precisamente essa resistência que está por baixo de muito do que tendemos a achar repugnante nestes versículos. Mas somos, e permanecemos, criaturas, e até que cheguemos a entender esse fato, o que significa até que admitimos que precisamos da ajuda de Deus para agir como criaturas de uma maneira responsável e amorosa com nossos semelhantes, pouco do que Paulo diz será convincente.

 Parte da boa nova do Evangelho é que não somos de fato deuses e que portanto o futuro não está em nossas manifestamente incapazes mãos. Essa boa nova constitui parte do argumento de Paulo nestes versículos, e devemos estar cientes desse fato.

 O segundo ponto que devemos ter em mente se formos ser claros sobre o que Paulo quer que encontremos nesta passagem é o fato de que o Deus que dispõe sobre sua criação como soberano Criador é um Deus de misericórdia. É dentro desse quadro geral que estes versículos devem ser compreendidos ou eles podem somente ser mal compreendidos. Que o quadro é a misericórdia de Deus torna-se claro no versículo 15, por exemplo, onde Paulo começa sua resposta ao tipo de perguntas que inevitavelmente surge como resultado do tipo de discussão com que ele está aqui se ocupando. Note cuidadosamente a citação de Paulo de Êx 33.19b. Ela fala exclusivamente da decisão de Deus de ser misericordioso. Ela não está precisamente balanceada, como se Deus tivesse dito que ele seria misericordioso com quem ele escolheu e irado com quem ele escolheu. Tal simetria entre graça e ira, entre misericórdia e condenação, está ausente aqui, como está ausente por toda esta passagem. Toda a discussão é caracterizada, antes, pela assimetria de uma graça dominante. Esse mesmo ponto está claro no versículo 22, onde Paulo, falando dos “vasos da ira, preparados para a destruição,” chega mais próximo do que ele jamais chegou ao que é popularmente chamado “dupla predestinação”, mas que, em seu entendimento popular, seria mais precisamente chamado de “duplo predeterminismo.” É a ideia de que a graça é balanceada pela ira, que Deus salva alguns e condena outros e que nenhum grupo tem algo a ver com o seu próprio destino. É precisamente desse tipo de simetria entre graça e ira que Paulo discordará. Olhe atentamente para o versículo 22; note o destino dos “vasos da ira.” Eles não são destruídos, mas suportados “com muita paciência.” Para que finalidade? Para mostrar as riquezas da misericórdia de Deus! Se alguma vez houve uma passagem na carta de Paulo onde ele poderia ter expressado a terrível simetria da graça e da ira, certamente é aqui. Todavia ele não faz isso. De fato, ele cuidadosamente a evitou. Que ele fez assim indica que, para Paulo, tal simetria não existe.

 

O mesmo ponto está claro mesmo nos versículos 17-18. A linguagem com que o versículo 17 é introduzido (grego gar, dessa forma) indica que Paulo pretende que o versículo seja entendido como um exemplo do que é afirmado no versículo 16: O destino do povo escolhido depende da misericórdia de Deus. Mais uma vez, se, como a linguagem de Paulo deixa claro, o resultado lógico do versículo 17 é o versículo 18, o que mais uma vez afirma o direito de Deus de dispor sobre a história conforme ele julga adequado, esse resultado lógico é, todavia, mais uma vez estabelecido dentro do quadro de misericórdia. Esse quadro é fornecido, não apenas pelo contexto literário imediato (isto é, os vv. 15-16), mas pelo contexto histórico também. O resultado do endurecimento de Faraó foi o êxodo de Israel do Egito, para que o propósito de Deus de abençoar a humanidade por meio de um povo descendente de Abraão pudesse ser continuado. Era desse povo, como Paulo indicou, que o próprio Cristo veio (v. 5), o Cristo que é o redentor de todo aquele que crê nele, seja judeu ou grego (1.16). O endurecimento de Faraó é, portanto, para o propósito final de redenção, até mesmo da descendência de Faraó! Se alguém achar isto difícil de compreender, fique na companhia de Paulo, que irá resumir toda a discussão do plano de Deus para a redenção da humanidade em 11.33, onde, numa manifestação de uma feliz perplexidade, ele descreve os misteriosos caminhos do Deus de misericórdia.

 A boa nova adicional, portanto, no que Paulo tem a dizer aqui está no fato que o Senhor da criação é um Pai misericordioso, que faz o que faz para servir a finalidade de sua misericórdia graciosa para sua criação rebelde.

 O terceiro ponto que precisamos ter em mente é o fato de que Paulo está lidando nesta passagem com o lugar de Israel no plano de salvação de Deus. Ele não está tratando do destino de indivíduos. O que ele diz dos propósitos graciosos de Deus na execução desse plano tem significância, é claro, para nós como indivíduos, mas a passagem será mal compreendida se sua mensagem for tomada em termos individualistas. Se a passagem não contém nada de uma simetria de graça e ira em termos de inclusão no ou exclusão do povo de Deus, ela certamente não contém nada daquele tipo de simetria em relação aos indivíduos. Aqui ninguém encontrará na intenção de Paulo algo da “dupla predestinação” de indivíduos, e isso pelas duas razões que já mencionamos: Primeiro, a passagem não diz respeito a indivíduos; e segundo, Paulo fala da assimetria da graça de Deus, não da simetria de graça e ira. Por toda parte no argumento de Paulo até este ponto, a graça estava em preeminência: Ela chega àqueles que não a merecem (3.22-24; 5.8-10), é mais abundante do que o pecado (5.20-21) e interrompe o seu poder (6.22; 7.6), e não há nada que possa frustrá-la (8.38-39).

 Certamente Paulo sabe do perigo que existe se alguém resistir à oferta graciosa da misericórdia de Deus a nós criaturas rebeldes. Se rejeitarmos essa oferta de misericórdia, corremos o risco de Deus honrar nossa escolha. Mas em lugar nenhum Paulo sugere que tal recusa é desejada, muito menos predeterminada, por Deus. Fosse assim, o ofício apostólico seria uma fraude e a proclamação do gracioso ato de Deus em Jesus de Nazaré e seu chamado para confiar naquele que Jesus chamou de “Pai” seria uma cilada e uma ilusão.

 Antes, o propósito de Deus é graça e redenção. Mesmo nessa estranha progressão das reflexões de Paulo, onde, reconhecendo a total soberania de Deus, Paulo pode nutrir o pensamento de que até a rebelião humana está incluída no plano de Deus, é finalmente para os propósitos de misericórdia (veja 11.32). De fato, as únicas coisas que Paulo sabe serem irrevogáveis são os dons de Deus e Seu chamado de constituir Seu povo escolhido (11.29).

 Essa é finalmente a boa nova do Evangelho a ser encontrada até mesmo no tipo de passagem aqui sob consideração: Deus é finalmente e desproporcionalmente um Deus de misericórdia e graça, que faz o que faz pelo bem de sua criação e sua final cura e redenção. Deus lida conosco, não na base do que somos, mas na base do que ele é: um Pai misericordioso.

 Por causa do tipo de equívocos que podem colocar nesta passagem, particularmente entre aqueles que estão na tradição reformada, o professor deve tomar cuidado para que os estudantes entendam o que Paulo está realmente dizendo nestes versículos. Atenção cuidadosa deve ser prestada em particular aos três pontos delineados acima, de forma que pelo menos alguns dos equívocos populares sobre o pensamento de Paulo possam ser evitados. Estes versículos devem ser entendidos dentro do contexto mais amplo de graça e deve provavelmente ser tratados somente em situações que permitam o desenvolvimento de um entendimento desse contexto mais amplo. Considerados isoladamente, ou tendo como segundo plano o destino dos indivíduos, estes versículos quase inevitavelmente serão mal compreendidos.

 

A dificuldade está no fato que aqueles que entenderam estes versículos como afirmações de verdade eterna sobre como Deus lida com cada indivíduo, e não como uma afirmação de como Deus lidou com Israel na busca de seu plano para a redenção de sua criação rebelde, tenderam também a entender estes versículos em termos de um rígido e simétrico predeterminismo. Nesse predeterminismo, Deus determinou, antes de seu nascimento, se uma pessoa seria salva ou condenada. Nada que ela possa fazer alteraria esse fato. Aquelas que foram condenadas tiveram o que mereceram como criaturas rebeldes. Aquelas que foram salvas foram salvas somente pela graça. Mas a simetria de graça e ira não foi violada: Como Deus agiu com graça com algumas pessoas, ele agiu com ira com outras.

 Isto simplesmente não é o que Paulo está dizendo nesta passagem. Ele não está escrevendo sobre o destino de cada indivíduo. Ele está fazendo uma afirmação sobre como Deus lidou com Israel, e continua a lidar com ele, mesmo diante de sua rejeição de Seu Filho, a saber, Deus lida com Israel com misericórdia, ainda que ele mereça ira. É por isso que irá distorcer completamente o ponto de Paulo aquele que supor que estes versículos me contam sobre o meu destino, ou o destino de qualquer pessoa, diante de Deus: se condenado ou salvo. Antes, o que estes versículos me contam é que o mesmo propósito gracioso em operação na eleição de Israel está agora em operação em um novo povo escolhido a quem eu posso agora também pertencer, por esse mesmo propósito gracioso de Deus. A passagem, portanto, trata da expansão da misericórdia de Deus para incluir os gentios, não sobre o restrito e predeterminado destino de cada indivíduo. Nós gentios agora podemos ser parte de seu propósito gracioso, podemos ser parte de Seu povo, escolhido pela graça através de Jesus Cristo. Esse é o ponto desta passagem.

 Estes versículos são ricos em recursos para a pregação e podem ser conduzidos de diferentes formas, dependendo das necessidades da congregação. Os versículos seriam apropriados para um sermão sobre a graça de Deus, particularmente sobre o modo no qual a vinda de Cristo ampliou o âmbito dessa misericórdia para incluir os gentios também. Qualquer um que Paulo cita das passagens do Antigo Testamento seria um lição conveniente, e uma passagem como Mt 15.21-28, com sua expansão da misericórdia de Deus em Cristo também aos gentios (por causa da fé, v. 28!), seria uma leitura adequada do Evangelho.

 A passagem também seria apropriada para um sermão sobre a natureza da igreja como povo de Deus, possibilitando que uma congregação entenda a si mesma em sua continuidade com o povo de Israel. Como co-membros do povo escolhido de Deus, assim como co-herdeiros de Abraão na fé, os cristãos verão que não têm motivos para qualquer tipo de sentimento anti-semítico. Para a maioria dos membros da igreja, participantes de uma cultura que não é notável pelo seu conhecimento ou consideração por sua herança do passado, esta passagem forneceria uma compreensão da longa história da qual alguém torna-se herdeiro quando entra para a comunidade de fé. Como cristãos, temos Abraão como nosso pai também, e a história dos patriarcas e profetas é nossa história também. É uma história que precisamos conhecer e da qual podemos ser orgulhosos.

Fonte: Romans, 159-165

Tradução: Paulo Cesar Antunes

Um Povo Escolhido.

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Bruce L. Shelley 

Aprendemos finalmente que a igreja é uma comunidade de pessoas – o povo de Deus – escolhidas por Deus para refletir a sua glória e espalhar o evangelho a todos os povos.

 Considero ser esse o ponto central da doutrina bíblica da eleição. A palavra eleição deixa muitas pessoas inquietas. Ela conjura imagens de calvinistas sombrios e puritanos com negros capuzes. Jonathan Edwards que pregou o sermão “Pecadores nas Mãos de um Deus Irado,” não acreditava na eleição? Quem quer retroceder a esse ponto?

 Tais temores têm certo fundamento. A doutrina da eleição nas mãos de certos cristãos tem sido deturpada, tornando-se irreconhecível biblicamente. A tradição calvinista, em particular, a partir de um desejo justificado de eliminar todos os pensamentos no sentido do homem ganhar a salvação por seus próprios méritos, salientou a liberdade soberana de Deus em eleger e regenerar quem Ele quiser. Ela tem frequentemente defendido a eleição, no entanto, como um decreto arbitrário de Deus estabelecido na eternidade. Nesta forma de pensamento, a verdadeira igreja torna-se facilmente uma companhia misteriosa dos eleitos invisíveis, só conhecidos de Deus.

 O resultado desta conclusão é muitas vezes a remoção da igreja na terra do lugar central que ocupa nos registros do Novo Testamento e em especial o deslocamento da tarefa missionária do centro de interesse e obediência cristãos.

 Sob a influência das aventuras do Capitão Cook nas Ilhas dos Mares do Sul, e as instruções de seu amigo, Andrew Fuller, William Carey começou a pregar sobre as obrigações universais do evangelho. Numa reunião de ministros, ele propôs que os pregadores discutissem a necessidade de levar as Boas Novas para aqueles que jamais as tinham ouvido. O idoso John Ryland agastou-se com ele por interferir nos assuntos de Deus. “Sente-se, jovem,” falou ele. “Quando Deus quiser converter os pagãos, Ele o fará sem a sua ou a minha ajuda.”

 Essa é uma doutrina de eleição sem apoio neotestamentário, construída sobre conclusões filosóficas em lugar de revelação bíblica.

 A eleição no Novo Testamento acha-se arraigada em fatos históricos, especialmente em Jesus Cristo que foi crucificado sob Pôncio Pilatos. Ele é o Eleito de Deus, o Filho amado do Pai (Mt 3.17). Nossa eleição se faz apenas por causa de nossa união com Ele. Não somos escolhidos isoladamente, como indivíduos, mas como membros do seu corpo, a igreja.

 O instrumento da escolha de Deus na Bíblia é a pregação do evangelho da morte e ressurreição de Jesus. Foi assim que Paulo entendeu. Ele recapitulou seu ministério para os Tessalonicenses e fez com que se lembrassem dos resultados do mesmo: “Reconhecendo, irmãos, amados de Deus, a vossa eleição, porque o nosso evangelho não chegou até vós tão somente em palavra, mas, sobretudo em poder, no Espírito Santo e em plena convicção” (1Ts 1.4-5).

 Os teólogos cristãos têm-se interessado geralmente pelas razões ou falta de razões na eleição. A Bíblia, porém, não nos oferece razões. Ela enfatiza o propósito da eleição, permitindo que o mistério da escolha de Deus continue inexplicado, e se concentra em vez disso na qualidade de vida que a igreja deve manifestar.

 Deus disse a Israel no Sinai: “Vós me sereis reino de sacerdotes e nação santa” (Êx 19.6). E Paulo escreveu aos Efésios que Deus nos escolheu em Cristo “antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele” (Ef 1.4).

 A Escritura não sugere em ponto algum que eleito signifique “favorito.” Se for o caso, eleito representa “instrumento,” porque Deus escolheu Israel para ser um “reino de sacerdotes,” isto é, um povo que serviria de mediador das misericórdias divinas àqueles que não têm esperança de misericórdia.

 Essa distinção é absolutamente imperativa. Lesslie Newbigin a reforça quando escreve: “Toda vez em que o caráter missionário da doutrina de eleição é esquecido; sempre que esquecemos termos sido escolhidos a fim de sermos enviados;… sempre que os homens pensam que o propósito da eleição é sua própria salvação em lugar da salvação do mundo; então o povo de Deus terá traído a sua confiança” (The Household of God, New York: Friendship Press, 1954, p. 111).  A doutrina da eleição longe de ser antiquada e irrelevante, é uma explicação fundamental da razão da existência da igreja.

 Se a igreja é a companhia dos eleitos – e ela é realmente – não tem motivo para vangloriar-se, pois a verdade e a graça de Deus são nossas para passar adiante e não para guardar. O convite para receber o evangelho é também uma ordem para passá-lo adiante. Esse o motivo pelo qual a única igreja de que a Bíblia fala é uma igreja missionária.

 Isso nos leva de volta ao ponto inicial porque na passagem que inaugurou este capítulo – 1Pe 2.9-10 – o apóstolo tocou nesta nota missionária. Ele lembrou os leitores de que eram “povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1Pe 2.9). Essa é uma nota digna de ser soada repetidas vezes.

 Fonte: Arminianismo.com

Fonte: A Igreja: O Povo de Deus, pp. 27-29.