As Amarras da Liberdade

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Roger E. Olsonroger olson - arminius hoje

 

Há um paradoxo na compreensão cristã do que significa ser livre.

 

Para milhões de pessoas, nenhuma palavra soa tão bem quanto “liberdade”. Nos comerciais de televisão, anuncia-se que a compra de um automóvel ou uma viagem àquele destino paradisíaco trarão a liberdade de que o telespectador tanto precisa. Datas festivas, como a da independência de um país, também são saudadas como símbolos de liberdade, e boa parte dos hinos nacionais a mencionam. Políticos, homens de negócios, publicitários, vendedores, chefes militares – todos sabem como usar essa palavra para chamar a atenção de seus públicos e atrair interesse. Sim, poucas palavras são tão comuns e, ao mesmo tempo, carregam tamanho significado.

 A palavra liberdade também é encontrada diversas vezes nas Escrituras e na tradição cristã. Qualquer crente que conheça minimamente a Bíblia já se deparou com versículos que dizem coisas como “a verdade vos libertará” (Jo 8.32) e que “é para a liberdade que Cristo vos libertou” (Gl 5.1). Logo, liberdade não é um tema apenas patriótico ou humanitário; é, também, um valor presente no Evangelho. Infelizmente, muitas pessoas confundem dois conceitos de liberdade bastante distintos. O conceito bíblico é bem diferente do significado cultural do termo, apesar de serem facilmente confundidos. E nenhum desses é o mesmo que “livre-arbítrio”. Isso pode ser confuso para o cristão comum que deseja saber o que é a verdadeira liberdade. Seria a prerrogativa de ter escolhas? Seria a ausência de limites e restrições? Ou é o poder de fazer o que se deseja? E em que sentido Cristo nos liberta, e em que isso difere daquilo que a mídia, constantemente, nos promete?

 No âmago do Evangelho cristão repousa uma incômoda verdade: a de que, para sermos livres, precisamos abrir mão de tudo o que a cultura secular nos oferece como fonte de liberdade. O Evangelho, ao que parece, requer uma distinção entre o prazer da verdadeira liberdade e a simples posse do chamado livre arbítrio. Não que o livre arbítrio ou a independência da tirania seja algo ruim; apenas, nenhuma dessas coisas representam a verdadeira liberdade. Esta, segundo o Evangelho, se encontra na obediência. E não é exatamente essa a imagem retratada na cultura popular.

 Agostinho, o grande pai da Igreja, ensinava que a liberdade verdadeira não se trata de poder para escolher ou falta de restrições, mas sim, de sermos aquilo que fomos chamados a ser. Os seres humanos foram criados à imagem de Deus; a liberdade verdadeira, portanto, não é encontrada ao nos distanciarmos dessa imagem, e sim, se a vivenciarmos. Quanto mais nos conformamos à imagem de Deus, mais livres nos tornamos – em contrapartida, quanto mais nos distanciamos disso, mais perdemos nossa liberdade.

 De uma perspectiva cristã, então, a liberdade – paradoxalmente – é um tipo de cativeiro. Martinho Lutero foi quem expressou essa verdade da melhor maneira, desde o apóstolo Paulo. Em seu tratado de 1520, A liberdade de um cristão, o reformador sintetizou a ideia em poucas palavras: “O cristão é o senhor mais livre de todos e não está sujeito a ninguém; o cristão é o servo mais obediente, e está sujeito a todos”. Em outras palavras, de acordo com Lutero, por causa do que Cristo fez e por causa de sua fé no Salvador, o cristão se tornou completamente livre da escravidão da lei. Ele não precisa fazer nada. Por outro lado, em gratidão pelo que Jesus fez por ele e nele, o cristão está preso no serviço a Deus e ao próximo. Ele tem a oportunidade de servi-los com alegria e liberdade. Logo, quem não entende o significado dessa oportunidade simplesmente não experimenta a alegria da salvação. Foi isso que Lutero quis dizer.

 

OBEDIÊNCIA E SERVIDÃO

 

Pulando do século 16 para o 20, e de um reformador do magistério para um teólogo anabatista radical, temos John Howard Yoder escrevendo, em A política de Jesus, acerca de “subordinação revolucionária”. Segundo ele, não é possível encontrar a verdadeira liberdade focando em nossos próprios direitos, mas sim, entregando-os livremente, sendo servos de Jesus Cristo e do povo de Deus. Tudo isso, claro, é bastante difícil para ocidentais do século 21 engolirem. Somos herdeiros do Iluminismo, vítimas de uma lavagem cerebral feita pela ênfase da modernidade no individualismo e na liberdade. Somos bombardeados, desde a infância, com a mensagem de que a liberdade significa autoafirmação, reivindicação de nossos direitos, ausência de restrições e senhorio sobre nós mesmos. A maior virtude defendida pela sociedade contemporânea é a de “ser verdadeiro consigo mesmo”. Em outras palavras, é como se cada um dissesse, o tempo todo: “Não me limite!”.

 

Acontece que nenhuma verdade é mais difundida nas Escrituras e na tradição cristã do que a de que a verdadeira liberdade se encontra na obediência e na servidão. E, ao mesmo tempo, nenhuma verdade está mais em desacordo com a cultura moderna. Nesse ponto, nos encontramos diante de duas alternativas: a mensagem do Evangelho a respeito da verdadeira liberdade versus a mensagem cultural da autonomia e do “vivo como quero”. O contraste que há entre a verdade do Evangelho e seu substituto satânico começa a se desenrolar em Gênesis, na história da criação e da queda. De acordo com Gênesis 2, Deus deu liberdade aos primeiros seres humanos: “De toda árvore do jardim comerás livremente; mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás”. Condicionados como estamos pela modernidade e sua obsessão por autonomia, nossa primeira reação é o questionamento: “Como isso pode ser liberdade?” – afinal, para nós, liberdade com limitação não é liberdade.

 Sabemos, entretanto, como esse tipo de liberdade foi compreendida por Adão e Eva, assim como por toda a raça humana. Trata-se de uma história de vergonha, alienação, inimizade e morte – em suma, a antítese absoluta da liberdade. Em Paraíso perdido, John Milton parodiou a raiva da humanidade por causa de suas limitações na declaração de Lúcifer: “Melhor reinar no inferno do que servir no céu!”. Fica a questão: Quando Adão e Eva estavam mais livres? No Jardim do Éden, quando podiam comer de todas as árvores, exceto uma? Ou depois, quando perderam o Paraíso e ficaram “livres” para comer de tudo o que quisessem? As implicações do ocorrido no início são inevitáveis: a verdadeira liberdade é encontrada apenas através da obediência a Deus e da comunhão que a acompanha. Já sua perda se dá com a autoafirmação, o desejo idólatra de cada um governar seu “pedacinho de inferno”, em vez de desfrutar das bênçãos do favor de Deus.

 Toda a narrativa bíblica pode ser lida como um drama sobre a liberdade e sua perda através do desejo e da tentativa do ser humano de aproveitar uma autonomia irrestrita. Tome-se como exemplo as frequentes rebeliões de Israel e sua consequente perda de proteção divina; ou a atitude de Davi diante de sua redescoberta da alegria na obediência às leis de Deus; e também os chamados de trombeta dos profetas para que Israel e Judá guardassem a lei do Senhor – e a subsequente perda da liberdade do povo, por ter insistido em fazer as coisas à sua maneira.

 

Em nenhum outro trecho bíblico esse contraditório tema ficou mais claro do que no Novo Testamento. Jesus disse a seus discípulos: “Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, e quem perder a sua vida por amor de mim, achá-la-á”. E, mais uma vez, ele disse aos que o seguiam: “Quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será vosso servo” (Mt 20.26-27). É verdade: o apóstolo Paulo falou diversas vezes sobre nossa libertação, em Cristo, de uma obrigação externa, ou seja, da lei. A confiança em Jesus é, de acordo com ele, a única base para um relacionamento correto com Deus. Por outro lado, ao longo de suas epístolas, ele nos aconselha a abrir mão de nossos direitos e liberdades em prol da propagação do Evangelho e da proteção da consciência das outras pessoas. Paulo encontrou a verdadeira liberdade ao abrir mão de seus direitos: “Porque, sendo livre para com todos, fiz-me servo de todos para ganhar ainda mais” (1Co 9.19).

 

AMOR SACRIFICIAL

 

O tema da liberdade através da obediência e servidão é tão predominante no Evangelho que é difícil deixá-lo passar despercebido. No entanto, isso, muitas vezes, acontece devido à ênfase dada à autonomia por nossa cultura. Então que tipo de obediência traz a liberdade verdadeira? Em primeiro lugar, e contrariamente à opinião popular, não se trata de uma obediência imposta. Não se trata de obedecer à vontade de Deus porque tememos as consequências da desobediência. A obediência ao Evangelho é sempre voluntária. No momento em que a obediência a Cristo se torna penosa, ou mero conformismo relutante, não é mais a obediência do Evangelho. Somente quando a obediência é prazerosa, resultado de gratidão, ela proporciona liberdade verdadeira, a que vem quando somos aquilo que fomos criados para ser.

 Em segundo lugar, a obediência que traz liberdade verdadeira é motivada pelo amor sacrificial. Yoder descreve profeticamente esse tipo de servidão como “subordinação revolucionária”, onde cada crente busca o bem dos outros sem tentar fazer valer seus próprios direitos. Em uma comunidade onde todos vivem dessa forma, em gratidão a Jesus Cristo, capacitados pelo seu Espírito, a verdadeira liberdade é abundante.

 Então, qual a relação de tudo isso com o conceito de livre arbítrio? Liberdade, então, não significa nada além de livre arbítrio? É claro que não. Se, por “liberdade” queremos dizer a liberdade do Evangelho – na servidão, tornamo-nos aquilo que Deus deseja de nós, na obediência a Cristo e em nossa transformação à sua imagem –, então está claro que estamos falando de algo bem mais profundo que o simples exercício do livre arbítrio. Isso é algo em que arminianos, que creem que o homem é livre para escolher, e calvinistas, que acreditam na escravidão da vontade e soberania absoluta de Deus, poderiam concordar. Os arminianos evangélicos acreditam que a verdadeira liberdade transcende o livre arbítrio, que, nessa análise, seria simplesmente a capacidade dada por Deus para escolhermos a verdadeira liberdade, oferecida pela graça, ou a rejeitarmos devido à nossa obstinação egocêntrica.

 Nem todos os cristãos creem no livre arbítrio. Lutero era um deles. Mas não é essa a questão. Quer alguém creia ou não, a liberdade verdadeira é outra coisa, e não contradiz o livre arbítrio; ela simplesmente o transcende. Todos os cristãos concordam que a autêntica liberdade, aquela que procede da obediência a Cristo e da conformidade à sua imagem, é um dom de Deus que iremos desfrutar plenamente quando formos glorificados com ele. É sobre isso que Paulo fala em Romanos 7: aqui na terra guerreamos entre a “carne” – a natureza caída – e o Espírito, dom de Deus, que habita em nós. Nesse ínterim, enquanto aguardamos nossa plena glorificação, crescemos em liberdade apenas ao trocarmos uma atitude de submissão à lei por um novo coração que se deleita em obedecer a Cristo. Pela graça de Deus, e com a ajuda de seu Espírito, podemos perceber uma liberdade ainda maior do pecado e da morte. Mas a liberdade em sua plenitude só vem após nossa ressurreição.

 Teólogos chamam de “santificação” o processo pelo qual se experimenta gradualmente a autêntica liberdade antes da morte. Há muitas opiniões divergentes a respeito de quão intensa e completa tal liberdade pode ser antes da ressurreição. Todos, porém, concordam que a liberdade verdadeira é um dom que recebemos aos poucos, ao longo da vida. Paulo foi claro em sua carta aos crentes de Filipos: “Desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade”. A salvação, em outras palavras, é tanto dom quanto missão. O “porque” usado por Paulo indica que o dom está na base da missão. Somos chamados, em um exercício de livre arbítrio, a obedecer e servir. Trata-se de uma decisão nossa.

 

GRAÇA x LIVRE ARBÍTRIO

 

Por outro lado, sempre que experimentamos essa liberdade maior que vem da obediência genuína e somos conformados ao caráter de Cristo, nos tornando servos verdadeiros, reconhecemos que é tudo devido à obra de Deus em nós. É esse o paradoxo da graça e do livre arbítrio. A graça de Deus, que deseja nos conceder a liberdade, está presente, desde o momento da nossa conversão. A graça nunca nos falta, nem precisa ser reforçada. Mas pode, no entanto, ser bloqueada por atitudes e hábitos indevidos, ressentimentos e atitudes egoístas. Cabe a nós encontrá-los – com a ajuda do Espírito, é claro – e trabalhá-los através de um processo de arrependimento e submissão. O livre arbítrio, assim, é uma condição necessária a esse processo, mas não o resultado final. Tal processo não leva à autonomia absoluta, mas sim, a uma liberdade crescente do jugo do pecado e da morte. Já estamos livres da lei e da condenação; portanto, a liberdade para nos tornarmos o que Deus planejou é trabalho dele e nosso também – a glória, porém, é toda do Senhor.

 O Evangelho é uma boa nova incondicional. Não precisamos fazer algo ou obedecer a alguém; isso seria horrível. Não; o Evangelho trata-se, de fato, de poder fazer algo, o que é sempre positivo. Trata-se do que podemos ter à medida que permitimos, de bom grado, que Deus, através do seu Espírito, faça sua obra em nós: a certeza da vitória sobre o pecado e a morte. Apenas quando abraçarmos essa vitória – e renunciarmos a todas as reivindicações para governar nossas próprias vidas – é que seremos verdadeiramente livres. 

Deus é soberano sobre a Sua soberania

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Roger E. Olson

Os batistas têm o habito de reciclar temas teológicos calorosos. A soberania de Deus e o livre-arbítrio humano é um que vive aparecendo. Agora mesmo, o debate entre calvinistas e arminianos está esquentando novamente. Recentemente, um presidente de um seminário batista sugeriu que a Convenção Batista do Sul não tem lugar para os arminianos, o que deve ter sido um choque aos milhões de crentes no livre-arbítrio que são leais batistas do sul.

O que muitas pessoas não notam é que calvinistas e arminianos concordam que Deus é soberano e que Deus governa providencialmente sobre a criação e predestina pessoas para salvação. Suas áreas de acordo são muito maiores do que seus desacordos sobre interpretações específicas destes conceitos bíblicos.

Soberania tem a ver com o governo de Deus de todas as coisas; a doutrina cristã da soberania de Deus é que Deus está no comando do universo e tudo nele. Ele domina sobre ele. Providência é quase idêntico à soberania; ela trata do modo no qual Deus domina sobre sua criação.

Predestinação é outra doutrina ligada à soberania de Deus, mas não é idêntica à providência. Predestinação é o ensino bíblico que Deus preordena ou pré-conhece quais de suas criaturas humanas serão salvas. Os “eleitos” são escolhidos por Deus. Sobre estas doutrinas, calvinistas e arminianos concordam. Eles discordam sobre o papel que o livre-arbítrio desempenha em se uma pessoa está entre os eleitos e assim predestinada por Deus. Os calvinistas negam o livre-arbítrio como poder de escolha contrária e afirmam que a graça de Deus é irresistível. Os arminianos acreditam em livre-arbítrio como poder de escolha contrária e dizem que a graça nunca é imposta sobre ninguém; as pessoas podem e resistem à graça de Deus.

Seguindo o teólogo holandês Jacob Arminius (que morreu em 1609), os arminianos creem que Deus é soberano. De fato, Deus é tão soberano que ele é soberano sobre sua soberania. Em outras palavras, Deus limita seu poder para dar espaço ao poder humano da livre escolha, incluindo a liberdade para resistir à graça. Livre-arbítrio não é um resíduo de bondade humana que sobreviveu à queda no jardim; é um dom da graça de Deus que nos capacita a responder livremente à oferta de Cristo no evangelho.

O Calvinismo é a crença no determinismo divino; Deus é a realidade toda-determinante que soberanamente planeja e controla todos os eventos, incluindo as escolhas livres dos humanos. Os arminianos perguntam quão livres as pessoas podem ser se suas decisões são controladas. Os arminianos querem saber como Deus é bom e amoroso à luz da combinação do mal no mundo e a soberania e o poder todo-determinante de Deus. Até mesmo o mais inflexível dos calvinistas hesita em lançar a culpa do pecado e do mal em Deus. Após falar sobre o poder todo-determinante de Deus, eles se esquivam de dizer que Deus determinou a queda da humanidade no jardim ou o holocausto de Hitler. Uns poucos audaciosos vão em frente e dizem que Deus até mesmo causou os atos terroristas de 11 de setembro.

Nós que cremos na real liberdade da vontade, liberdade e poder de escolha contrária, vemos isso como a única forma de livrar-se de tornar Deus o autor do pecado e do mal. Um Deus que determina pessoas a pecar, ainda que somente por “permissão eficaz” (retirando a graça necessária para não pecar), é o pecador último. Um Deus que poderia salvar alguém, porque a salvação é incondicional, mas passa por alto de muitos – enviando-os para a condenação eterna – é moralmente ambíguo na melhor das hipóteses. Como John Wesley comentou, se isto é amor, é um amor que faz gelar o sangue.

Reconhecidamente, a maioria dos calvinistas não segue a lógica de sua própria concepção da soberania de Deus a sua justa e necessária conclusão. Eles afirmam que Deus é amoroso, mas dizem que “mundo” em Jo 3.16 não se refere a todos, mas a pessoas de toda tribo e nação – os eleitos. Deus ama todas as pessoas de alguma forma, mas somente os eleitos de todas.

Os arminianos acreditam no amor universal de Deus por todas as pessoas criadas à sua imagem e semelhança. Deus não quer que ninguém pereça, senão que todos alcancem o arrependimento (2Pe 3.9), porque ele deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade (1Tm 2.4).

Claramente, Deus não consegue completamente o que quer, porque ele é soberano sobre sua soberania e permite que pessoas pecadoras se oponham à sua vontade. Mas isso de forma alguma diminui sua grandeza ou poder; é evidência de sua autolimitação e respeito amoroso pelas pessoas.

Fonte: http://www.baptiststandard.com/index.php?option=com_content&task=view&id=5077&Itemid=134

Tradução: Paulo Cesar Antunes

Fonte: Arminianismo.com

 

Como Será que os Calvinistas Explicam 2Pe 3.9?[1]

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Artigos Jack Cottrell

 


PERGUNTA: Os calvinistas acreditam na Depravação Total de todos os seres humanos, o que significa que ninguém é capaz de responder ao evangelho com fé e arrependimento. Isto requer a crença na Eleição Incondicional, o que significa que Deus escolhe unilateralmente salvar alguns pecadores e não outros. Ele faz isso outorgando aos escolhidos o seu dom irresistível da graça, sob a forma de regeneração, fé, arrependimento e justificação – tudo isso, simultaneamente. Ele PODERIA fazer a mesma coisa para todo pecador, mas simplesmente optou por não fazê-lo. Minha pergunta é a seguinte: levando em conta este cenário, como será que o calvinista interpreta 2Pe 3.9, que declara que Deus “não quer que ninguém pereça, mas que todos cheguem ao arrependimento” (NVI)? Mas se ele PODE salvar todas as pessoas, mas simplesmente escolhe não fazê-lo, isso soa como se ele não desejasse salvar a todos. Isto não é uma contradição de 2Pe 3.9?

RESPOSTA: Sim, certamente SOA como uma contradição, mas o calvinista tem uma explicação para isso. A explicação básica é esta: Deus tem DUAS vontades, uma que é escondida, secreta ou misteriosa, e uma que é revelada a todos. Em muitos casos, a vontade secreta de Deus determina que algo vai acontecer que é contrário à sua vontade revelada.

A vontade secreta de Deus é chamada de sua vontade decretiva porque é equivalente ao seu decreto eterno, pelo qual na eternidade passada ele preordenou e predeterminou cada coisa que irá realmente acontecer. Este decreto eterno ou vontade decretiva é abrangente (universal, todo-inclusivo), eficaz (causal, determinativo) e incondicional (não é influenciado por nada além dele mesmo). O calvinista J. G. Howard resumiu: “A Escritura nos ensina que Deus tem um plano predeterminado para cada vida. É ele que IRÁ ACONTECER. É inevitável, incondicional, imutável, irresistível, abrangente e proposital. É, também, na sua maior parte, imprevisível. Ele inclui tudo – até mesmo o pecado e o sofrimento. Envolve tudo – até mesmo a responsabilidade e as decisões humanas”. [2] Gary Friesen diz que esta é a vontade soberana e exaustiva de Deus, pela qual “Ele é o Determinador Último de tudo o que acontece”. [3]

O que isto significa é que no nível desta vontade secreta ou decretiva, aqueles que perecem no inferno, perecem porque (neste nível) Deus QUER ou DESEJA que eles se percam. Mas, ao mesmo tempo, no nível de sua vontade revelada (como em 2Pe 3.9 e 1Tm 2.4), Deus declara que Ele “QUER que todos os homens sejam salvos” e “que todos cheguem ao arrependimento”, enquanto “NÃO quer que ninguém pereça”. De fato, deve ser reconhecido que Deus estende a OFERTA de salvação a todos: “E quem quiser, tome de graça da água da vida” (Ap 22.17); e “quem nele crer não pereça” (Jo 3.16). Mas diante da vontade secreta e decretiva de Deus, que obviamente é seletiva quando se trata de salvação, até mesmo muitos calvinistas têm dificuldade com esta “oferta livre do Evangelho”. Assim, eles devem apelar para os DOIS níveis ou tipos da vontade de Deus.

Dois dos meus professores do Seminário Teológico de Westminster, John Murray e Ned Stonehouse, escreveram um pequeno livro chamado “A Oferta Livre do Evangelho”, tentando explicar a aparente hipocrisia em oferecer livremente o Evangelho a todos os homens, enquanto se sabe que Deus predeterminou que alguns não vão e não podem responder a Ele. Eles dizem: “Parece que o verdadeiro ponto em disputa em relação à livre oferta do Evangelho é saber se pode propriamente ser dito que Deus DESEJA a salvação de todos os homens”. Citando um documento calvinista que afirma tal desejo, os autores explicam que “ao afirmar tal ‘desejo’ de Deus”, o documento estava lidando “com a vontade revelada de Deus, não com a sua vontade secreta ou decretiva”. [4]

Murray e Stonehouse admitem que há textos bíblicos que expressam “a vontade de Deus na questão da chamada, convite, apelo e mandamento do Evangelho, a saber, a vontade que todos devem voltar-se para ele e ser salvos. O que Deus quer, nesse sentido, certamente Ele se apraz em querer. Se é seu prazer querer que todos se arrependam e sejam salvos, é certamente seu prazer que todos se arrependam e sejam salvos. Obviamente, no entanto, não é sua vontade decretiva que todos se arrependam e sejam salvos. Enquanto, por um lado, ele não tem desejado decretivamente que todos sejam salvos, no entanto ele declara claramente que esta é sua vontade e, implicitamente, o seu prazer que todos se voltem pra ele e sejam salvos. Estamos novamente sendo confrontados com o mistério e a riqueza adorável da vontade divina. Pode parecer-nos que uma exclui a outra. Mas não é assim. Há uma multiformidade na vontade divina que está em consonância com a plenitude e riqueza do seu caráter divino, e não é de admirar que sejamos obrigados a nos curvar em humilde porém exultante admiração diante de sua inefável grandeza e juízos insondáveis. Negar a realidade do prazer divino em relação ao arrependimento e salvação de todos é deixar de aceitar o testemunho que nasce de tais textos que contemplam a multiplicidade da vontade de Deus e as riquezas da sua graça”.[5]

Os autores concluem assim: “Descobrimos que o próprio Deus exprime um desejo ardente pelo cumprimento de certas coisas que ele não decretou acontecer em seu conselho inescrutável. Isto significa que existe uma vontade pela realização daquilo que ele não desejou decretivamente, um prazer em direção àquilo que não foi do seu agrado decretar. Isto é realmente misterioso, e por que ele não trouxe à existência, no exercício do seu poder e graça onipotentes, o que é seu prazer ardente jaz escondido no conselho de sua vontade soberana. Não devemos nutrir, no entanto, qualquer preconceito contra a noção de que Deus deseja ou tem prazer na realização daquilo que ele não desejou decretivamente”. [6]

Como vamos avaliar essa tentativa de explicar a inconsistência entre a chamada vontade decretiva de Deus e sua vontade revelada? Nós certamente podemos aceitar a ideia de “mistério” e “multiformidade” na vontade de Deus. O que nos pedem que aceitemos, no entanto, vai muito além do mistério e da multiplicidade. Nesta explicação calvinista estamos lidando, de forma plena e simplesmente, com contradição. Uma lei básica da lógica (e a lógica se fundamenta sobre e é derivada da natureza do próprio Deus) é a lei da não-contradição. Esta lei diz que nenhuma declaração pode ser tanto verdadeira quanto não-verdadeira, no mesmo sentido, ao mesmo tempo. Mas o calvinista diz que É a vontade de Deus que todos os perdidos sejam salvos, e NÃO É a vontade de Deus que todos os perdidos sejam salvos. Atribuir o primeiro desejo a um nível da vontade de Deus e o segundo a outro nível de sua vontade não remove a contradição: é o mesmo Deus em ambos os casos, e o desejo é sincero em ambos os casos. O mesmo Deus decreta que coisas aconteçam que ele não deseja que aconteçam, coisas que são o oposto do que ele deseja.

O problema aqui é que se Deus é livre para transcender as leis da lógica (ou seja, ir contra sua própria natureza) nesta área específica, como podemos confiar em qualquer outra coisa que ele diz? O que resta de Tt 1.2, que diz que Deus “não pode mentir” (NASB)[7]? Ou da declaração de Paulo em Rm 3.4, “Sempre seja Deus verdadeiro, e todo o homem mentiroso; como está escrito: Para que sejas justificado em tuas palavras, e prevaleças quando fores julgado” (NASB)?

Tradução: Cloves Rocha dos Santos



[1] Nota do tradutor: Este artigo foi publicado por Jack Cottrell no dia 3 de abril de 2010, na sua página do Facebook, na aba NOTES (NOTAS), onde ele, de forma fraterna, responde a várias perguntas relacionadas à vida cristã e também às dificuldades bíblicas por parte daqueles que visitam a sua página e se interessam pela sua opinião nos assuntos abordados.

[2] J. G. Howard, Knowing God’s Will (Conhecendo a Vontade de Deus), página 12.

[3] Gary Friesen, Decision Making and the Will of God (Tomar Decisões e a Vontade de Deus), página 202.

[4] John Murray e Ned Stonehouse, The Free Offer of the Gospel (A Oferta Livre do Evangelho), página 3.

[5] Idem, páginas 20-21.

[6] Idem, página 26.

[7] New American Standard Bible (Nova Bíblia Americana Padrão).

Fonte: Arminianismo.com

Calvinismo, Arminianismo e a Teologia da Salvação

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Artigos Robert E. Picirilli

_______________________ A Extensão da Expiação

Introdução

Existem variedades tanto dentro do Calvinismo como do Arminianismo. O Arminianismo que eu tenho apresentado em Grace, Faith, Free Will[1] (Graça, Fé, Livre-Arbítrio) é o que eu chamo de “Arminianismo da Reforma”, que significa as opiniões do próprio Armínio e dos seus primeiros partidários (os “remonstrantes”). A teologia de Armínio foi claramente um produto da Reforma e manifestou a insistência da Reforma na salvação pela graça somente, pela fé somente, por Cristo somente. O capítulo de abertura do meu livro traça o percurso histórico de desentendimentos de Armínio com o Calvinismo de sua época. O restante do livro é dividido em quatro partes: (1) Predestinação e Eleição; (2) Expiação; (3) Salvação pela Fé e (4) Perseverança. Em cada parte existem três capítulos; os dois primeiros capítulos fornecem um tratamento de “teologia sistemática” do assunto, tanto do Calvinismo como do Arminianismo, respectivamente, e o terceiro capítulo apresenta a “teologia bíblica” em apoio ao Arminianismo da Reforma. Nesta palestra vou lidar com parte do que é tratado na Segunda Parte do livro: a teologia da expiação, e especialmente a extensão da expiação. A pergunta é: Por quem Cristo morreu? Somente pelos eleitos ou por todos? A Natureza da Expiação Antes de abordar o assunto, devo referir-me brevemente à natureza da expiação. Como a maioria dos calvinistas, os arminianos reformados creem na “visão da satisfação penal” da expiação. Esta é uma expiação verdadeiramente “vicária” – substitutiva. Jesus verdadeiramente sofreu na cruz a penalidade pelos nossos pecados. Ele suportou a ira de Deus em nosso lugar. 2Co 5.21 diz, “Ele o fez pecado por nós”. Ele foi punido na cruz pelos nossos pecados, embora ele não tenha cometido nenhum pecado. Digo isto porque existe uma corrente histórica do Arminianismo que ensina, na verdade, o que é chamado de “visão governamental” da expiação, desenvolvida por um dos seguidores posteriores de Armínio chamado Hugo Grotius. Grotius dizia que Jesus morreu para sustentar o governo justo de Deus do mundo. Nesta perspectiva, a expiação é um testemunho de que o pecado exige perdão, não punição; Jesus morreu pelos nossos pecados, mas não para suportar a pena dos nossos pecados. Eu recomendo um capítulo no livro do Sr. Forlines, The Quest for Truth[2] (A Busca pela Verdade), sobre este assunto. Razões para Crer na Expiação Universal O Arminianismo insiste que Jesus morreu por cada pessoa na história do mundo: que Deus tanto amou o mundo, e não apenas os eleitos, que deu o seu único Filho pelos pecados do mundo. Isso às vezes é chamado de expiação ilimitada, expiação universal ou expiação geral. (Os batistas calvinistas costumavam ser chamados de “batistas particulares”, enquanto todos os batistas arminianos costumavam ser chamados de “batistas gerais”.) 1. A expiação universal se encaixa nas declarações bíblicas de que Deus quer a salvação de todos, especialmente 2Pe 3.9 e 1Tm 2.4. Seria estranho, na verdade, se Deus realmente quisesse ou desejasse a salvação de todos, mas enviasse o seu Filho para morrer somente pelos eleitos! Faz muito mais sentido que Deus tenha providenciado uma oportunidade para todos, visto que Ele deseja a salvação de todos. 2. A expiação universal é logicamente exigida pelas passagens que fazem referência à condenação de pessoas por quem Cristo morreu, especialmente 1Co 8.11 e Rm 14.15. Esses dois textos lidam com o mesmo problema: por um comportamento descuidado pode-se ameaçar o bem-estar espiritual de um irmão ou irmã em Cristo. E isso aumenta o perigo de que alguém por quem Jesus morreu possa finalmente perecer. Nesse caso, é claro que ele não morreu apenas pelos eleitos. A propósito, isto está relacionado com a teologia da apostasia. Se uma pessoa regenerada realmente pode apostatar e se perder, então alguém por quem Cristo morreu pode perder-se. Se Jesus não morreu pelo apóstata, ele nunca poderia ter sido salvo em primeiro lugar! 3. A expiação universal se encaixa no fato que a Bíblia oferece salvação a todos e nos obriga a pregar o evangelho a todos. Que a Bíblia apresenta a oferta como universal é evidente em todas as passagens que dizem “quem quiser”, como Ap 22.17 e Jo 3.14, 15; compare Jo 12.32: “E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a mim”. Que a Bíblia nos ordena a pregar o evangelho – apresentar esta oferta – a todos é igualmente claro em passagens como Mc 16.15. Rm 1.14-16 mostra que Paulo plenamente percebia isto como sua obrigação, visto que “o evangelho é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê”. Os calvinistas não negam que a Bíblia oferece a salvação a todos e que somos responsáveis por pregar a oferta do evangelho a todos. Porém, eu acho que eles não conseguem ser logicamente consistentes aqui: a salvação não pode ser verdadeiramente oferecida a alguém por quem Cristo não morreu. Suponha que eu diga a uma criança paralítica, “Se você apenas estender a sua mão para pegar, darei este doce a você”. Isso me soa mais como zombaria do que uma “oferta”! 4. A expiação universal se encaixa melhor no fato que os incrédulos são culpados, na Bíblia, não apenas por seus pecados mas pela sua rejeição de Cristo e da salvação oferecida nele pelo evangelho. Considere Jo 3.18 ou 1Jo 5.10, 11, como exemplos. Nesta última referência, o ponto é que aquele que não crê, rejeitou, na verdade, o testemunho do próprio Deus, tornando-o um mentiroso. E qual é esse testemunho? Que ele nos deu a vida eterna em seu Filho. Mas se Jesus não morreu por aqueles que finalmente não creem nele, então Deus não deu testemunho de que ele proporcionou a vida eterna a eles e eles não rejeitaram o testemunho de Deus! A Bíblia claramente culpa os pecadores por rejeitar o evangelho. Isso deve significar que a oferta é genuína, que Jesus realmente morreu por eles. 5. A expiação universal explica melhor aquelas escrituras que falam da provisão de Deus como correspondendo às necessidades humanas. A melhor passagem aqui é Rm 3.22-25, onde Paulo fala da justiça que está disponível, pela fé em Jesus Cristo, a todos e sobre todos os que creem. Ele corrobora esta afirmação com rigorosa lógica dizendo: – Porque não existe diferença – Porque todos pecaram e estão afastados da glória de Deus – Sendo justificados gratuitamente pela sua graça através da redenção que está em Cristo Jesus. A frase “sendo justificados gratuitamente pela sua graça através da redenção que está em Cristo Jesus” modifica o mesmo “todos” que Paulo diz “todos pecaram”. Todos pecaram; todos têm acesso à justificação com base na obra redentora de Cristo. A provisão corresponde à necessidade. 6. Finalmente (no livro eu cito nove argumentos), a Bíblia claramente ensina que Jesus morreu por todos e não apenas por um número escolhido. Considere 1Jo 2.2; 1Tm 2.6; Hb 2.9; Jo 3.16-18, 2Co 5.14, 19; Rm 5.18, Tt 2.11. Como o Dr. Vernon Grounds ironicamente disse: “É preciso talento exegético… para esvaziar estes versículos de seu significado óbvio”. Argumentos Calvinistas Você precisa conhecer algumas coisas que os calvinistas dizem em oposição. 1. Os calvinistas apontam para os versículos que dizem que Jesus morreu pelo seu povo ou pela igreja e os interpretam como significando que ele morreu somente pelo povo escolhido de Deus. Estes incluem Mt 1.21; Jo 15.13; Jo 10.15, Ef 5.23-26; At 20.28; Tt 2.14; e outros. Nós cremos em ambos os grupos de versículos: ele morreu por nós e ele morreu por todos. Se ele morreu por todos, isso nos inclui. Considere Gl 2.20: Paulo diz que Jesus “me amou e se entregou por mim”. Obviamente, isso não significa que Jesus não se entregou por ninguém mais. Da mesma forma, os versículos que falam de Jesus morrendo por nós, pela igreja, pelo povo de Deus, não significam que ele não morreu por ninguém mais. 2. Os calvinistas geralmente alegam que “todos” – nas passagens que dizem que Jesus morreu por todos – não significa realmente cada uma ou todas as pessoas na história do mundo. Ao invés disso, elas querem dizer que Deus quer a salvação dos eleitos entre todos os povos, classes e grupos étnicos na sociedade: Deus ama e salva os eleitos, sejam eles judeus ou gentios, de uma nação ou de outra, ricos ou pobres, jovens ou velhos. Eu penso que essas tentativas deixam de lidar de forma séria com esses versículos, e para concluir quero enfatizar 1Jo 2.2. 1Jo 2.2 Este versículo é um bom exemplo da última razão, acima, para a expiação universal: “E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos do mundo inteiro”. O que João quer dizer com “mundo”? Ele usa esta palavra 23 vezes nesta breve carta, indicando consistentemente o próprio oposto do povo de Deus. Considere 2.15-17; 3.1, 13; 4.1-5; 5.4, 5, 19. O povo de Deus e “o mundo” são dois povos diferentes, hostis entre si. Certamente João usa “mundo” em 2.2 da mesma maneira e não como uma referência ao restante dos eleitos no mundo. As outras passagens nesta carta onde “nós” ou “nos” se encontra em comparação com “o mundo”, como aqui em 2.2, também torna isso claro. Há quatro dessas passagens: 3.1; 4.5, 6; 5.4, 5 e 5.19: “Nós somos de Deus, e o mundo inteiro jaz no maligno”. Isto estabelece o ponto acima de qualquer argumentação. “Nós” e “o mundo” são dois reinos diferentes. Mas não devemos ter orgulho: Jesus morreu não somente por nós, mas por aqueles que nos odeiam; não somente por nós, mas por aqueles que estão nas garras do maligno. Não somente por nós, mas pelo mundo ímpio que o rejeitou. E é, portanto, nossa responsabilidade dizer a esse mundo que ele morreu por eles.


[1] Nota do Tradutor: Robert E. Picirilli. Grace, Faith, Free Will, Contrasting Views of Salvation: Calvinism and Arminianism (Graça, Fé e Livre-Arbítrio, Contrastando Visões da Salvação: Calvinismo e Arminianismo) (Nashville: Randall House, 2002).

[2] Nota do Tradutor: F. Leroy Forlines. The Quest for Truth: Answering Life’s Inescapable Questions (A Busca pela Verdade: Respondendo as Questões Inevitáveis da Vida) (Nashville: Randall House, 2001).

Fonte: Arminianismo.com

O que um Deus soberano não pode fazer

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__________________________________________________________________Artigos – Dave Hunt

O Que um Deus Soberano não Pode Fazer  


http://www.thebereancall.org

Uma das expressões mais comuns que escutamos em círculos cristãos, especialmente quando se quer reassumir a confiança quando as coisas não estão dando certo, é que “Deus esta no controle, Ele ainda está no trono.” Os cristãos se confortam com estas palavras – mas o que elas significam? Deus não estava “no controle” quando Satã rebelou e quando Adão e Eva desobedeceram, mas agora Ele está? Deus estar no controle significa que todos os estupros, assassinatos, guerra e o mal proliferado é exatamente o que Ele planejou e deseja?

Cristo nos pede para orar, “Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu” (Mt 6.10). Por que a oração se nós já estamos no reino de Deus com Satã preso, como João Calvino ensinou e os Reconstrucionistas alegam hoje? Poderia um mundo de mal excessivo ser realmente o que Deus deseja? Certamente não!

“Espere um minuto!” alguém se opõe. “Você está sugerindo que nosso Deus onipotente é incapaz de realizar Sua vontade sobre a terra? Que heresia esta! Paulo claramente diz que Deus ‘faz todas as coisas segundo o conselho da sua vontade’ (Ef 1.11).”

Sim. Mas a própria Bíblia contém muitos exemplos de homens desafiando a vontade de Deus e desobedecendo-o. Deus se lamenta, “Criei filhos, e os engrandeci, mas eles se rebelaram contra mim” (Is 1.2). Os sacrifícios que eles oferecem a Ele e suas vidas corruptas não são obviamente de acordo com a Sua vontade. Somos informados de que “os fariseus e os doutores da lei rejeitaram o conselho de Deus” (Lc 7.30).

A declaração de Cristo em Mt 7.21 mostra claramente que todos nem sempre fazemos a vontade de Deus. Isto está implícito em Is 65.12, 1Ts 5.17-19, Hb 10.36, 1Pe 2.15, 1Jo 2.17 e muitas outras passagens. De fato, Ef 1.11 não diz que tudo que acontece é de acordo com a vontade de Deus, mas de acordo com “o conselho” de Sua vontade. Claramente o conselho da vontade de Deus deu ao homem liberdade para desobedecê-lo. Não há nenhuma outra explicação para o pecado.

Todavia, em seu zelo para proteger a soberania de Deus de qualquer desafio, A. W. Pink argumenta ardentemente, “Deus preordena tudo que acontece… Deus inicia todas as coisas, controla todas as coisas…”[1] Edwin H. Palmer concorda: “Deus está por trás de tudo. Ele decide e faz todas as coisas acontecerem… Ele preordenou tudo ‘segundo o conselho de Sua vontade’ (Ef 1.11): o mover de um dedo… o erro de um datilografista – até o pecado.”[2]

Estamos aqui diante de uma distinção vital. Uma coisa é Deus, em Sua soberania e sem diminuir esta soberania, dar ao homem o poder para rebelar contra Ele. Isto abriria a porta para o pecado, sendo o homem unicamente responsável por sua livre escolha. Outra totalmente diferente é Deus controlar tudo de tal maneira que Ele deve efetivamente causar o pecado do homem.

É uma falácia imaginar que, para Deus estar no controle de Seu universo, Ele precisa, por essa razão, preordenar e iniciar tudo. Deste modo, Ele causa o pecado, depois pune o pecador. Para justificar esta opinião, é argumentado que “Deus não tem nenhuma obrigação de conceder Sua graça àqueles que Ele predestina para o julgamento eterno.” De fato, obrigação não tem nenhuma relação com graça.

Na verdade diminui a soberania de Deus sugerir que Ele não pode usar para seus propósitos o que Ele não preordena e origina. Não há razão lógica nem bíblica por que um Deus soberano, por Seu próprio plano soberano, não poderia conceder a criaturas feitas à Sua imagem a liberdade de escolha moral genuína. E há razões convincentes por que Ele faria dessa forma.

Muitas vezes um ateísta (ou um sincero indagador que está perturbado pelo mal e o sofrimento) lança em nossas faces, “Você alega que seu Deus é todo-poderoso. Então por que Ele não interrompe o mal e o sofrimento? Se Ele pode e não faz, Ele é um monstro; se Ele não pode, então Ele não é todo-poderoso!” O ateísta pensa que nos encurralou.

A resposta envolve certas coisas que Deus não pode fazer.

Mas Deus é infinito em poder, então não deve haver nada que Ele não possa fazer! Sério? O próprio fato que Ele é infinito em poder significa que Ele não pode falhar. Há muito mais que seres finitos fazem todo o tempo que o infinito, absolutamente soberano Deus não pode fazer por Ele ser Deus: mentir, trapacear, roubar, pecar, se enganar, etc. De fato, muito mais que Deus não pode fazer é vital para nós entendermos quando enfrentamos desafios de céticos.

Tragicamente, há muitas questões sinceras que muitos cristãos não podem responder. Poucos pais têm tirado um tempo para pensar nos muitos desafios intelectuais e teológicos que suas crianças progressivamente enfrentam, desafios para os quais a juventude de hoje não encontra respostas de tantos púlpitos e lições das escolas dominicais. Como resultado, números crescentes daqueles criados em lares e igrejas evangélicos estão abandonando a “fé” que nunca adequadamente entenderam.

A soberania e o poder é a panacéia? Muitos cristãos superficialmente acham que sim. Todavia há muito para o qual a soberania e o poder são irrelevantes. Deus age não apenas soberanamente, mas com amor, graça, misericórdia, justiça e verdade. Sua soberania é exercitada somente em perfeita harmonia com todos os Seus outros atributos.

Há muito que Deus não pode fazer não apesar do que Ele é, mas por causa de quem Ele é. Até Agostinho, descrito como o primeiro dos assim chamados primeiros Pais da Igreja que “ensinou a absoluta soberania de Deus,”[3]declarou, “Por conseguinte, Ele não pode fazer algumas coisas justamente por ser onipotente.”[4]

Por causa de Sua absoluta santidade, é impossível para Deus praticar o mal, fazer com que outros pratiquem ou até tentar alguém ao mal: “Ninguém, sendo tentado, diga: Sou tentado por Deus; porque Deus não pode ser tentado pelo mal e ele a ninguém tenta,” (Tg 1.13). Mas e quanto às muitas passagens na Escritura onde diz que Deus tentou alguém ou foi tentado? Por exemplo, “Deus tentou a Abraão” (Gn 22.1). A palavra hebraica aí e por todo o Velho Testamento é nacah, que significa testar ou provar, como num teste de pureza de um metal. Não tem nada a ver com tentar para pecar. Deus estava testando a fé e a obediência de Abraão.

Se Deus não pode ser tentado, por que Israel é alertado, “Não tentareis o Senhor vosso Deus” (Dt 6.16)? Somos até informados de que em Massá, ao pedir água, “tentaram ao Senhor, dizendo: Está o Senhor no meio de nós, ou não?” (Êx 17.7). Mais tarde eles “tentaram a Deus nos seus corações, pedindo comida segundo o seu apetite… dizendo: Poderá Deus porventura preparar uma mesa no deserto?… provocaram o Deus Altíssimo” (Sl 78.18-19, 56).

Deus não estava sendo tentado para realizar o mal, Ele estava sendo provocado, Sua paciência estava sendo testada. Ao invés de esperar obedientemente que Ele supra suas necessidades, Seu povo estava pedindo que Ele usasse Seu poder para lhes dar o que queriam para satisfazer seus desejos. A “tentação” de Deus era um desafio blasfemo forçando-o a, ou ceder ao desejo deles, ou puni-los pela rebelião.

Quando Jesus foi “tentado pelo Diabo” para lançar-se do pináculo do templo para provar que os anjos Lhes sustentariam em suas mãos, Ele lembrou, “Não tentarás o Senhor teu Deus” (Mt 4.1-11). Em outras palavras, colocar-nos deliberadamente em um lugar onde Deus deva agir para nos proteger é tentá-lo.

Tiago então diz, “Cada um, porém, é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência.” A tentação ao mal não vem de fora, mas de dentro. O homem que não poderia possivelmente ser “tentado” para ser desonesto nos negócios pode sucumbir à tentação de cometer adultério e, assim, ser desonesto com sua mulher. Dizem que “todo homem tem seu preço.”

Deus não estava tentando Adão e Eva para pecar quando Ele lhes diz para não comerem de uma árvore em particular. Eva foi tentada por sua própria cobiça e desejo egocêntrico. Até na inocência o homem podia ser egoísta e desobediente. Vemos isto em jovens infantes que por enquanto não sabem a diferença entre o certo e o errado.

Além disso, há muitas outras coisas que Deus não pode fazer. Deus não pode negar a Si mesmo ou se contradizer. Ele não pode mudar. Ele não pode voltar atrás em Sua Palavra. Especialmente em relação à humanidade, há algumas coisas que Deus não pode fazer que são muito importantes para entender e explicar aos outros. Um dos conceitos mais fundamentais (e menos entendido pelas pessoas “religiosas”) é este: Ele não pode perdoar o pecado sem a pena ser paga e aceita pelo homem.

Estamos dizendo que apesar de Sua soberania e infinito poder Deus não pode perdoar quem Ele quer, Ele não pode simplesmente apagar o passado deles no registro celestial? Exatamente: Ele não pode, porque Ele é também perfeitamente justo. “Então você está sugerindo,” alguns se queixam, “que Deus quer salvar toda a humanidade, mas falta o poder para fazer isso? É uma negação da onipotência e soberania de Deus se houver algo que Ele deseja, mas não possa realizar.” De fato, onipotência e soberania são irrelevantes em consideração ao perdão.

Cristo no Jardim na noite anterior da cruz gritou, “Meu Pai, se é possível, passa de mim este cálice…” (Mt 26.39). Certamente se tivesse sido possível proporcionar salvação de outra forma, o Pai teria isentado Cristo dos excruciantes sofrimentos físicos da cruz e a agonia espiritual infinita de sofrer a pena que Sua perfeita justiça tinha pronunciada sobre o pecado. Mas até para o Deus onipotente não houve outro jeito. É importante que nós claramente expliquemos esta verdade bíblica e lógica quando apresentamos o evangelho.

Suponha que um juiz tenha diante dele um filho, uma filha ou outra pessoa amada considerada culpada de múltiplos assassinatos pelo júri. Apesar de seu amor, o juiz deve confirmar a pena exigida pela lei. O amor não pode anular a justiça. O único modo que Deus poderia perdoar pecadores e continuar justo seria que Cristo pagasse a pena pelo pecado (Rm 3.21-28).

Há duas outras questões de vital importância em relação à salvação do homem que Deus não pode fazer: ele não pode forçar ninguém a amá-lo; e Ele não pode forçar ninguém a aceitar um presente. Pela própria natureza do amor e da doação, o homem deve ter o poder de escolha. A recepção do amor de Deus e do dom da salvação através de Jesus Cristo pode somente ser por um ato do livre-arbítrio do homem.

Alguns argumentam que se a vontade de Deus fosse que todos os homens fossem salvos, o fato de todos não serem salvos significaria que a vontade de Deus seria frustrada e Sua soberania aniquilada pelos homens. É também argumentado que, se o homem pudesse dizer sim ou não a Cristo, ele teria a palavra final em sua salvação e sua vontade é mais forte do que a vontade de Deus: “A heresia do livre-arbítrio destrona Deus e entroniza o homem.”[5]

Não há nada na Bíblia ou na lógica que sugere que a soberania de Deus requer que o homem seja impotente para fazer uma escolha real, moral ou de qualquer outra maneira.

Dar ao homem o poder para fazer uma escolha genuína, independente, não diminui o controle de Deus sobre Seu universo. Sendo onipotente e onisciente, Deus certamente poderia arranjar as circunstâncias para impedir que a rebelião do homem possa frustrar Seus propósitos. De fato, Deus poderia até usar o livre-arbítrio do homem para ajudar a cumprir Seus próprios planos e por meio disso ser ainda mais glorificado.

O grande plano de Deus desde a fundação do mundo para conceder ao homem o dom de Seu amor impede qualquer faculdade para forçar esse dom sobre qualquer uma de Suas criaturas. Tanto o amor quanto os dons de qualquer espécie devem ser recebidos. A força perverte a transação.

O fato que Deus não pode falhar, mentir, pecar, mudar ou negar a Si mesmo não diminui Sua soberania em qualquer proporção. Nem é Ele menos soberano porque não pode forçar alguém a amá-lo ou a receber o dom da vida eterna por Jesus Cristo. E do lado humano, a limitação reversa prevalece: não há nada que alguém possa fazer para merecer ou ganhar o amor ou um dom. Eles devem ser dados livremente do coração de Deus sem qualquer razão que não seja o amor, a misericórdia e a graça.

Maravilhosamente, em Sua graça soberana, Deus assim constituiu o homem e teve a intenção que o homem recebesse esse dom voluntariamente por um ato de sua vontade e respondesse com amor ao amor de Deus. Alguém uma vez disse, “O livre-arbítrio do homem é a mais maravilhosa das obras do Criador.”[6] O poder de escolha abre a porta para algo maravilhoso além de nossa compreensão: comunhão genuína entre Deus e o homem por toda a eternidade. Sem o livre-arbítrio o homem não poderia receber o dom da vida eterna, por isso Deus não poderia dar este dom a ele.

Pusey aponta que “Sem o livre-arbítrio, o homem seria inferior aos menores animais, que têm uma espécie de liberdade limitada de escolha…. Seria auto-contraditório que o Deus Todo-Poderoso criasse um livre agente capaz de amá-lo, sem também ser capaz de rejeitar Seu amor…. sem o livre-arbítrio não poderíamos livremente amar Deus. Liberdade é uma condição do amor.”[7]

É o poder de escolha genuína do próprio coração e vontade do homem que Deus tem soberanamente dado a ele que possibilita Deus a amar o homem e ao homem receber esse amor e a amar Deus em resposta “porque ele nos amou primeiro” (1Jo 4.19). É impossível que o poder de escolha pudesse desafiar a soberania de Deus visto que é a soberania de Deus que conferiu este dom ao homem e as condições para amar e dar.

Sugerir que Deus estaria faltando em “poder” (assim negando Sua soberania) se Ele oferecesse salvação e alguns a rejeitasse é errar o alvo. Poder e amor não são partes da mesma discussão. De fato, das muitas coisas que temos visto que Deus não pode fazer, uma falta de “poder” não é a razão para qualquer uma delas, nem é Sua soberania mitigada de maneira alguma por qualquer uma destas.

Assim, Deus ter dado à humanidade o poder de escolher amá-lo ou não e receber ou rejeitar o dom gratuito da salvação, longe de negar a soberania de Deus, admite o que a própria soberania de Deus amorosa e maravilhosamente proporcionou. Que possamos desejosamente responder de coração a Seu amor com nosso amor, e em gratidão por Seu enorme dom proclamar as boas novas aos outros.

Tradução: Paulo Cesar Antunes

 


[1] Pink, The Sovereignty of God, 240.
[2] Edwin H. Palmer, The Five Points of Calvinism (Baker Books, 1999), 25.
[3] C. Norman Sellers, Election and Perseverance (Schoettle Publishing Co., 1987), 3.
[4] Augustine, The City of God, V. 10.
[5] W.E. Best, Free Grace Versus Free Will (Best Book Missionary Trust, 1977), 35.
[6] Junius B. Reimensnyder, Doom Eternal (N.S. Quiney, 1880), 257; citado em Fisk, Calvinistic Paths Retraced, 223.
[7] Edward B. Pusey, What Is Of Faith As To Everlasting Punishment? (James Parker & Co., 1881), 22-23; citado em Samuel Fisk, Calvinistic Paths Retraced (Biblical Evangelism Press, 1985), 222.

Fonte: Arminianismo.com

Diferenças Básicas Entre o Arminianismo de Arminius e o Arminianismo Caricato

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O arminianismo nasceu intrincado em problemas de não aceitação dogmática. Em seu inicio, ocasionado pelo preconceito do dogma reinante, teve grandes problemas com a não aceitação, continuando envolto neles até os dias atuais. O preconceito advém da falta de uma análise sincera por parte de defensores de outra confissão, gerando uma deturpação na idéias do arminianismo. As idéias que são colocadas como fundamentais ou correlacionadas com seu ideário, em muitos casos não são correspondentes com sua fundamentação teológica, são produtos de inapropriadas associações de idéias.
Idéias como: “Deus não conhece o futuro – por que o livre arbítrio impossibilita um conhecimento prévio”, ou, “o homem para ser salvo independe da graça de Deus”, ou que “o homem no arminianismo, tem méritos diante de Deus”, são idéias tidas como arminianas, mas, realmente, não tem relação com o ideário arminiano.
Refutando qualquer possibilidade de crédito a uma provável ação moralmente positiva por parte do homem independente da graça de Deus, Jacobus Arminius asseverou:

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“Na sua primitiva condição como ele saiu das mãos de seu criador, o homem era dotado de tal parcela de conhecimento, santidade e poder, permitindo-lhe a entender, estimar, considerar, e ter força para realizar o verdadeiro bem, de acordo com o mandamento entregue a ele. No entanto, nenhum destes atos poderia ele fazer, exceto com a assistência da Divina Graça. Mas no seu estado depravado e pecador, o homem não é capaz, e de por si próprio, nem pensar, ter vontade, ou a fazer o que é realmente bom, mas é necessário que ele seja regenerado e renovado no seu intelecto, afecções, ou seja, em todos os seus domínios, por Deus em Cristo através do Espírito Santo, para que ele possa ser qualificado justamente para compreender, estimar, considerar, escolher, e fazer tudo o que é verdadeiramente bom. Quando ele é feito um participante desta regeneração ou renovação, considero que, uma vez que ele é livre do pecado, ele é capaz de pensar, e desejar fazer o que é bom, mas ainda não sem o auxílio da Divina Graça.”(1)

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Defendendo a consonância do livre arbítrio do homem, da graça e do conhecimento prévio de Deus, James Arminius afirma:

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“(…) Este decreto tem a sua base no conhecimento de Deus, pela qual ele eternamente conhecia aqueles indivíduos que iriam através da sua graça preventiva crer, e que, através da sua graça, subseqüentemente iriam perseverar, de acordo com a anteriormente descrita administração desses meios, que são adequados e apropriados para a conversão e a fé; e, através deste conhecimento, ele também sabia os que não iriam acreditar e perseverar.”(2)
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Quanto ao mérito do homem que escolhe, Arminius, em uma carta endereçada a Gellius SNECANUS, por ocasião de sua análise ao capítulo nove da epístola aos Romanos, sintetizando o conteúdo da epistola, escreveu:

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“Que o Evangelho, e não a lei é o poder de Deus para salvação, e não para aquele que trabalha, mas, para aquele que crê, uma vez que, no Evangelho a justiça de Deus se manifesta na obtenção de salvação pela fé em Cristo.”(3)

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Mais uma vez, na carta endereçada a SNECANUS, Arminius reforça a crença na soberania de Deus sobre a sua eleição. Admitindo a eleição independente de obras, o teólogo holandês desfaz a idéia do mérito do homem como principio fundamental de sua salvação.
Vejamos sua asserção:

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“Mas o efeito, de acordo com a eleição se mantém, e não por obras, mas por Deus que chama. – Por isso, nesse propósito, aqueles que são da lei não são abrangidos, mas apenas os que são da fé em Jesus Cristo. O principal é, por si só, elucidativo da sua fraseologia, se bem compreendida, o que significa que a firmeza do propósito, que está de acordo com a eleição, depende, não das obras, mas dEle que chama. Por isso, para eles que são das obras da lei, este efeito não pode ser firme e certo, mas somente para aqueles que são da fé.” (4)

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Tentamos explicitar os contrates ideológicos entre o arminianismo de Armínio e o arminianismo caricato, exposto pelos dogmáticos presos principalmente a pressupostos calvinistas, usando os argumentos do próprio idealizador da teologia arminiana, aquele que por tal feito empresta o seu nome a esse sistema teológico. Cabe agora ao leitor crítico, explorar um pouco mais suas proposições para julgar com mais propriedade o conteúdo deste sistema teológico tão criticado, mas, tão pouco conhecido.

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Lailson Castanha
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(1) ARMINIUS, Jacobus. The Works of James Arminius Vl.1
(2) Ibdem
(3) ARMINIUS, Jacobus. The Works Of James Arminius Vl. 3
(4)Ibdem.

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Fonte: Ideário Arminiano

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Graça, Fé, Livre-Arbítrio – Prefácio

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_________________________________________________________________ Robert E. Picirilli


 

Tenho em mente vários propósitos para esta obra. Os dois primeiros são os mais importantes.

Primeiro, eu desejo contribuir para o ressurgimento contemporâneo da discussão sobre as questões que têm dividido o Calvinismo e o Arminianismo desde a Reforma. Não me iludo a ponto de pensar que posso trazer uma aproximação entre os dois, mas eu sei que cada nova geração de crentes cristãos acha quase impossível evitar relembrar estas questões. Meu objetivo é apresentar os dois lados, para que o leitor saiba exatamente quais são essas questões: para clarificar o entendimento de ambas as posições e ajudar os leitores a inteligentemente decidir por eles.

Segundo, pretendo frisar uma forma específica de Arminianismo como a melhor resolução das tensões, e neste aspecto eu não sou imparcial. O problema com o “Arminianismo” é que ele significa coisas diferentes para diferentes pessoas. Meu objetivo é apresentar o que eu chamo de “Arminianismo da Reforma,” pelo qual eu quero dizer as opiniões do próprio Arminius e seus defensores originais. Isto é um Arminianismo que tem sido com freqüência perdido de vista por amigos e inimigos, e é altamente vigoroso e sustentável.

Alguns leitores podem estar surpresos por aprender que há um Arminianismo que defende:

ü a depravação total,

ü a soberania de Deus no controle de todas as coisas para o certo cumprimento de Sua vontade,

ü o conhecimento perfeito de Deus de, e a certeza de, todos os eventos futuros – incluindo as escolhas morais livres dos seres humanos,

ü a visão da satisfação penal da expiação,

ü salvação pela graça por meio da fé e não pelas obras, do início ao fim,

ü e uma apostasia que não pode ser remediada.

Eles podem também estar surpresos por aprender que isto foi essencialmente o Arminianismo do próprio Arminius. Como Alan P. F. Sell tem observado, “Em importantes aspectos, Arminius não era um arminiano.”[1]

Embora o Arminianismo original não continuou na Igreja Remonstrante Holandesa, tem havido proponentes do Arminianismo da Reforma em várias épocas e lugares. O Anabatista Balthasar Hubmaier defendia posições similares. Thomas Grantham, um importante teólogo entre os primeiros batistas gerais ingleses, demonstrou praticamente a mesma soteriologia de Arminius em seu Christianismus Primitivus, or the Ancient Christian Religion, publicado em Londres em 1678.[2] Wesley retomou muito da essência das opiniões de Arminius.

Chamar de “Arminianismo da Reforma” pode resultar em críticas.[3] Mas estou convencido de que a teologia de Arminius foi bem estudada em consideração consciente das crenças dos reformadores; e que Arminius teve êxito ao manter a insistência da Reforma na salvação sola gratia, sola fide, e solo Christo. Sell nos recorda que “O Arminianismo surgiu como uma opção genuína de dentro de, e não como um parasita sobre, a Igreja Reformada na Holanda.” Por isso, por “Arminianismo da Reforma” eu pretendo tanto distinguir o pensamento de Arminius e os originais Remonstrantes de algumas das formas que o Arminianismo tem tomado desde então, como identificá-lo com as principais ênfases da Reforma.

Cumprindo os dois principais propósitos mencionados acima, meu método tem sido perseguir uma teologia histórica, sistemática e bíblica. No primeiro capítulo eu revi o fundo histórico envolvendo a luta de Arminius e os originais Remonstrantes. Então cada uma das quatro seções, por sua vez, é dedicada a uma das quatro questões chaves: Predestinação, Expiação, Salvação pela Fé, e Perseverança. Em cada uma dessas quatro seções há três capítulos: o primeiro aborda a posição calvinista, a seguir a posição arminiana, e a última alguns estudos de teologia bíblicos em apoio à posição arminiana. O exato procedimento dentro de cada seção varia, dependendo da natureza do material. Para a maior parte, eu me concentrei nas expressões tradicionais. Conseqüentemente, o foco primário é nos teólogos calvinistas clássicos pelo lado calvinista, e no próprio Arminius pelo lado arminiano. O espaço não permite muita atenção às variações no tema.

Alguns podem perguntar, visto que estou realçando uma forma de Arminianismo, por que eu me dei ao trabalho de apresentar ambos os lados em cada seção. Por duas razões. Primeiro, eu uma vez escutei o Dr. Roger Nicole observar que devemos sempre nos certificar de que podemos apresentar a posição de um oponente de tal forma que ele concordará que a temos expressado corretamente. Penso que ele está certo, e fiz uma tentativa conscienciosa de cumprir isso. Não é bom contestar uma outra opinião se você a tem primeiro distorcido. Falácias do espantalho são facilmente derrubadas.

Segundo, eu quero que aqueles de cada lado entendam a outra posição de dentro dele. A experiência me ensinou que meus amigos arminianos geralmente não entendem o que o Calvinismo realmente é, e que os calvinistas geralmente mal compreendem o Arminianismo. Os argumentos resultantes são freqüentemente emocionais mais do que baseados num entendimento cuidadoso de cada lado. Eu gostaria de retificar este defeito.

Meu terceiro propósito para esta obra, embora não primário, não é por isso sem importância. Hoje em dia estamos testemunhando um neo-Arminianismo que assume algumas estranhas posições. Esses neste movimento – algumas vezes chamado “openness theism” – negam a onisciência de Deus, por exemplo, ou nos contam que Deus salva todos que se tornariam crentes se eles tivessem uma oportunidade. Como entendo, nem Cristianismo evangélico em geral, nem Arminianismo em particular, isto não é nada bom. Ao invés, as diferenças entre o Calvinismo e o Arminianismo se tornaram confusas e obscuras. Ao apresentar as questões nos termos tradicionais – com uma nova perspectiva, espero – quero levar o debate de volta às questões tradicionais.

Ofereço agora não tanta dedicação quanto especial apreciação por dois professores que me ajudaram a formar meu pensamento há um bom tempo atrás: primeiro a L. C. Johnson, que me ensinou Arminianismo da Reforma (embora ele não o chamasse assim) direto de Arminius; e segundo a Wayne Witte, que me ensinou o Calvinismo clássico direto de Berkhof e Shedd e outros do mesmo nível, e o fez com boa-vontade.

Também devo agradecimentos aos dois distintos amigos que leram o texto após minha solicitação e ofereceram sugestões úteis: Leroy Forlines, um colega que leu pelo lado arminiano, e Bob Reymond, um bem conhecido pensador Reformado que leu pelo lado calvinista. Não coloco em suas costas a responsabilidade, entretanto, pelas opiniões que apresento.

Encerro com as palavras de Arminius, escritas no final de seu próprio prefácio de “An Examination of the Treatise of William Perkins concerning the Order and Mode of Predestination”:

Que Deus nos conceda que possamos concordar plenamente, nessas coisas que são necessárias para Sua glória e para a salvação da igreja; e que, nas outras coisas, se não puder haver harmonia de opiniões, que haja ao menos harmonia de sentimentos, e que possamos “guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz.”


 


[1] Alan P. F. Sell, The Great Debate (Grand Rapids: Baker, 1983), 97.

[2] Agradeço a Matthew Pinson por chamar a atenção para Grantham e citarei seu ensaio (ainda inédito) nesta obra.

[3] Não alego que Arminius pertença aos reformadores magistrais. Mas eu senti a necessidade de dar algum nome a esta espécie de soteriologia arminiana; “Arminianismo evangélico” é amplo demais, “Arminianismo Wesleyano” já está em uso com um outro significado, e “Arminianismo da Remonstrância” muito provavelmente significa a Igreja Remonstrante Holandesa, que é muito diferente dos originais Remonstrantes. Eu considerei e finalmente decidi contra o “proto-Arminianismo” como clínico demais.

Fonte: Arminianismo.com